
Nicolás Maduro, Miguel Díaz-Canel, Evo Morales e uma penca de outros líderes bolivarianos relembraram no dia 08 um tal “Dia do Guerrilheiro Heroico”. A data de 08 de outubro relembra a tarde em que o argentino Ernesto Che Guevara fora capturado na Bolívia. Na utopia esquerdista, Che foi capturado depois de um combate épico do qual ele saíra ferido.
O “Dia do Guerrilheiro Heroico” ignora que Che foi preso em 1967 na Bolívia, então mais pobre dos países da América Latina e dona de uma das forças armadas mais precárias da região.
Che capitulou diante de um grupo de soldados raquíticos, com armas da II Guerra Mundial e praticamente sem proficiência em combate. Traído pela arrogância de quem achava que lutava contra “animais” (como ele descrevia os bolivianos), viu-se encurralado em um terreno desconhecido e se rendeu.
Sob a mira dos bolivianos, suplicou: “Não me matem. Sou Che Guevara. Para vocês valho mais vivo do que morto”.
Há exatos três anos, ouvi esse relato do comandante do pelotão que venceu o “guerrilheiro heroico”, o general Gary Prado Salmón, que na ocasião da prisão de Che tinha a patente de capitão.
Prado conta que Che lhe foi entregue parecendo um mendigo. Sujo e com alguns ferimentos, ele tinha um odor insuportável de quem estava provavelmente há semanas sem tomar banho. Frente à frente, tomaram café, fumaram juntos e conversaram. As primeiras palavras do guerrilheiro heroico foram uma reclamação. Che queixou-se dos comandados de Prado que roubaram o seu Rolex. Relógio que ganhara anos antes de seu chefe, o ditador Fidel Castro, e do qual não se separava. Razão pela qual a companhia suíça chegou a usar a imagem de Che como publicidade.

A prisão de Che foi tão ridiculamente fácil que o argentino teve que suar para provar que ele era realmente o lendário combatente que exportaria a revolução pela América Latina. Ele usou o tempo e a atenção de Prado para convencer o capitão de que o mesmo tinha um troféu nas mãos. Che estava tão convencido que sairia ileso de La Higuera que se dava ao luxo de se preocupar em recuperar o seu relógio.
Depois de enquadrar a tropa, Prado recuperou o relógio e o entregou nas mãos de Che, que o revisou, agradeceu e devolveu para as mãos do militar. O argentino pediu a Gary Prado que cuidasse pessoalmente do Rolex.
Entre os vários assuntos que tratou, Prado aproveitou que Che estava relaxado com o retorno do relógio para saber por que diabos ele estava tentando iniciar uma insurgência na Bolívia. “Eu disse ao Che que já havíamos passado por uma revolução com reforma agrária e direitos universais. Que revolução ele esperava fazer já que a Bolívia já havia superado essa fase. Então ele me disse: ‘Me deram uma má informação. Eu não preparei essa missão. As ordens vieram de instâncias superiores’. Perguntei de Fidel, mas nunca me respondeu”, relembrou Prado.
O general boliviano contou ter ficado perplexo com o desdém e preconceito com os quais Che se referia aos países nos quais fracassou. Quando perguntado sobre a experiência no Congo, onde Cuba patrocinou uma guerrilha, Che disse que “deu errado porque a gente quis fazer a revolução em um lugar onde as pessoas ainda viviam pendurada em árvores”.
Che foi dormir acreditando que no dia seguinte voaria para La Paz e quem sabe para os Estados Unidos, onde passaria a colaborar com as autoridades. Mas o helicóptero que pousou a poucos metros da instalação onde ele estava detido trazia ordens do presidente René Barrientos de que deveria ser executado.
Che acreditava que seria mantido vivo pelo valor estratégico que tinha, mas a decisão do governo da Bolívia de matá-lo impediu o que seria o primeiro acordo de delação premiada da esquerda latino-americana.
“Surgiram diversos relatos sem nenhuma conexão com a realidade”, diz Prado. Ele relembrou que Che jamais fez discurso de despedida, como retratado em filmes e relatado em livros. Tampouco alguns militares tiveram crise de consciência e se recusaram a atirar.
“Não houve tempo de Che dizer nada. O militar que o executou se voluntariou para fazer isso. Entrou no local onde Che estava e o fuzilou com uma rajada de metralhadora”.
O odor de seu corpo era tão insuportável, que depois de sua execução uma enfermeira pediu autorização para lavar o cadáver antes que suas mãos fossem decepadas para serem enviadas à La Paz a fim de serem comparadas com as impressões digitais encaminhadas pelas autoridades argentinas.

O que a enfermeira jamais imaginaria e que os militares bolivianos jamais poderiam ter calculado é que o banho póstumo de Che Guevara lhe daria uma dignidade artificial que serviria para construir o mito do martírio. As fotografias do corpo limpo e bem arrumado estendido sobre a pia de cimento passaram a ser comparadas à pintura A lamentação sobre Cristo morto do renascentista Andrea Mantegna (1431-1506).
Che achava que vivo valeria muito para os seus captores. Morto, ele teve uma valor ainda maior. Transformou-se no maior produto da propaganda cubana e mito da esquerda em todo mundo. O “guerrilheiro heroico” esperava ter seu Rolex de volta e colaborar.
Gary Prado manteve o Rolex sob sua guarda até 1984, quando o entregou a um cônsul cubano em Santa Cruz para que pudesse ser devolvido à família de Che Guevara.
O fato de ter comandado a captura de Che Guevara quase custou a vida de Gary Prado. Em julho de 1968, menos de um ano depois da morte do argentino, Prado foi alvo de uma tentativa de atentado.
Na ocasião, ele estudava no Brasil. Fazia um curso da Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME), no Rio de Janeiro. Militantes do Comando de Libertação Nacional (Colina) – organização da qual a ex-presidente Dilma Rousseff viria a fazer parte – montou uma emboscada para “vingar a morte de Che”. Mas os terroristas confundiram o alvo e mataram a tiros o major alemão Edward Westernhagen, que era colega de curso de Gary Prado.

Fonte: Leonardo Coutinho/Paralelo 39